Programas de desenvolvimento de habilidades socioemocionais não são modismo, nem "plug-and-play".
- Rose Bernardi
- 28 de set. de 2022
- 3 min de leitura

Os valores, a mentalidade, as emoções de uma pessoa – e as habilidades para se lidar com eles – são modelados continuamente, ao longo de toda a vida, a partir das relações e interações que ela estabelece consigo mesma, com os outros e com o mundo.
Uma das maiores tendências observadas na educação básica mundial tem sido a adoção de programas curriculares criados para repertoriar os estudantes, de forma intencional e consciente, para lidarem de forma saudável com seus valores, mentalidade e emoções. Os programas de “Aprendizagem Social e Emocional” (SEL, sigla de Social and Emotional Learning) – chamados de “Programas de Desenvolvimento de Habilidades Socioemocionais”, na educação brasileira – já se mostravam, antes da Pandemia, indispensáveis à formação de estudantes no mundo contemporâneo. Depois dela, passaram a ser considerados ainda mais relevantes.
A edição 2021 do Relatório de Aprendizagem Social e Emocional (2021 Social and Emotional Learning Report), da McGraw Hill, coletou a opinião de pais, professores e administradores de escolas norte-americanas sobre a inclusão da aprendizagem socioemocional no currículo, com resultados muito expressivos:
96% dos educadores acreditam que a aprendizagem socioemocional reduz problemas comportamentais, principalmente bullying (95%), falta de engajamento dos alunos (94%), questões relacionadas à segurança (93%), relacionamentos ruins com professores (91%) e os efeitos negativos de transição do ensino remoto para o presencial (91%);
91% dos educadores acreditam que a aprendizagem socioemocional ajuda a melhorar o desempenho acadêmico;
95% dos educadores creem que ela contribui para reduzir o sofrimento emocional.
87% dos pais dizem que a aprendizagem socioemocional é "importante para ajudar as crianças a navegar no mundo de hoje".
"Agora [2005] é possível afirmar cientificamente: ajudar as crianças a aperfeiçoar sua autoconsciência e confiança, controlar suas emoções e impulsos perturbadores e aumentar sua empatia resulta não só em um melhor comportamento, mas também em uma melhoria considerável no desempenho acadêmico. [...] Os dados mostram que os programas SEL geraram grandes benefícios no desempenho acadêmico, conforme demonstram os resultados de teste de desempenho e média de notas. Nas escolas que adotaram os programas, mais de 50% das crianças tiveram progresso nas suas pontuações de desempenho e mais de 38% melhoraram suas médias. Os programas SEL também tornaram as escolas mais seguras: ocorrências de mau comportamento caíram em média 28%; as suspensões, 44%; e outros atos disciplinares, 27%. Ao mesmo tempo, a percentagem de presença aumentou, enquanto 63% dos alunos demonstraram um comportamento significativamente mais positivo. No mundo da pesquisa em ciências sociais, estes são resultados extraordinários para qualquer programa que se destine a promover mudanças comportamentais. O SEL cumpriu sua promessa."
Daniel Goleman, “Introdução - Edição Comemorativa de 10º Aniversário”
de seu best seller Inteligência Emocional. 2005.
Não há o que se discutir quanto à relevância de se promover uma efetiva aprendizagem socioemocional. Tampouco cabe questionar, no meu entendimento, a importância de as escolas se envolverem nessa tarefa. Mas considero fundamental destacar uma particularidade: diferentemente do que ocorre com outros componentes curriculares, a aprendizagem socioemocional não ocorre predominantemente dentro do ambiente escolar: não termina com o final de uma aula, tampouco se limita à prática de um professor.
Muito pelo contrário: aprendizagem socioemocional é ininterrupta e estará presente sempre que houver um ser humano se relacionando e interagindo com os outros, com o ambiente e com a sociedade. Estará em cada aula. Estará no intervalo. Estará no caminho de casa. E na sala de jantar. E nos espaços de lazer. E nas interações virtuais. Estará no programa que a escola adotou e em milhões de outros currículos ocultos, que transparecem e se denunciam no entorno de cada estudante, inclusive dentro da escola.

Essa tomada de consciência parece-me tão necessária quanto a decisão de se implantar um programa de aprendizagem socioemocional: não é possível que esse passo seja dado sem que os pés estejam muito bem calçados por um movimento de sensibilização, autocrítica, cuidado e muita atenção sobre os currículos ocultos – também educadores, afinal – que a própria instituição comunica. E essa ação tem de estar disseminada, incorporada em todas as pessoas e em todos os meios com os quais os estudantes se relacionam. Ou seja: a aprendizagem socioemocional precisa ser estendida a todos aqueles (e tudo aquilo) que representam a instituição para que se assegure que, pelo menos no espaço escolar, haja consistência e coerência entre o que se ensina e o que se pratica, entre discurso e exemplo, entre ideais e realidade. Não basta adquirir um bom programa e considerar o caso encerrado.
E isso é ótimo! Uma excelente (e necessária) oportunidade de tirar do armário e colocar em prática aquele velho ideal de que, numa escola, todos, independentemente de sua função, se reconheçam e atuem como educadores. E, nesse caso, ao mesmo tempo, aprendizes, agentes, promotores e exemplos daquilo que impacta, inspira e transforma profundamente a única razão de ser da educação: as pessoas.
No artigo da EDUTOPIA : "SEL Audits Reveal Hidden Dimensions of Teaching and Learning", Taylor Hausburg compartilha uma abordagem bem interessante a respeito do currículo oculto presente nas aulas de SEL.



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