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Erro de copas x erro de ouros.

Com que carta você costuma jogar?


O Princípio da Caixa Preta foi um daqueles livros que me abriram os olhos. Até hoje recomendo muitas vezes, dou de presente, falo dele para quem não ainda não conhece. É um livro relativamente simples, bem gostoso de ler, que trata de um tema extremamente presente nas nossas vidas, mas subvertendo radicalmente o seu papel nelas: o erro.


Somos aculturados, forjados e deformados - sobretudo pela educação tradicional - a considerar erros e fracassos como grandes vilões, motivos de vergonha e de desonra. Foi a leitura deste livro que me sensibilizou, de forma aguda, para o absurdo disso.


Passei parte enorme da minha vida sendo formada e formando pessoas pela educação tradicional. Nela, desde muito novinhas, as crianças são imersas nessa cultura que trata o erro como um enorme problema. É ele a moeda que rebaixa nossa nota, afinal. É apontado nas respostas que damos. Quem nunca suou frio, ao ver - desde muito longe - um monte de marcas vermelhas numa atividade sua que retornava corrigida para a sala de aula? É pela quantidade de erros que vemos nossa medida se inferiorizar, nosso valor se apequenar, nossa imagem se definir numa subcategoria.


Alunos considerados "excelentes" não sofrem menos por causa dele. Pelo contrário, suspeito até que sofram mais, caso seja possível comparar sofrimentos. A ameaça que o erro representa os tortura. O impacto que ele pode causar sobre essa pretensa excelência os tortura. Tem-se algo a perder, portanto a temer, neste caso. A ameaça da dor - sabem disso muito bem torturadores e torturados - é muito pior do que a dor em si.


E é justamente pela repulsa que o erro nos desperta, pelo pavor que nos impede de olhá-lo diretamente nos seus olhos, é que somos mais facilmente conduzidos a ele, paradoxalmente. O medo do fracasso nos afasta do sucesso, simples assim. E é esse o argumento central que O Princípio da Caixa Preta defende.


Um desastre aéreo é um exemplo inequívoco de fracasso, de erro - humano ou mecânico - irreparável e irreversível. E, mesmo assim, sob a perspectiva da aviação, uma fonte de aprendizado tão relevante e cara quanto cada uma das vidas impactadas por ele.


Achar a caixa preta da aeronave que caiu, analisar minuciosamente os seus dados, compreender a gênese do erro (ou da sucessão deles, como muitas vezes foi o caso), dissecar o processo e trabalhar para corrigir futuras falhas, sempre com extrema transparência, é o que move a indústria da aviação de forma obstinada imediatamente após cada fatalidade. E é exatamente por isso que, nos últimos 50 anos, ela conseguiu uma redução de 92% na taxa de acidentes fatais.


Precisamos seguir esse exemplo e subverter o papel do erro em todos os níveis de nossa vida. Erro é matéria prima de crescimento. Infinitamente mais potente do que um acerto fortuito, a propósito. Não se trata de adotar uma postura de indulgência, tampouco de glamourização do erro, mas sim de, com a devida gravidade, colocá-lo sob uma investigação diligente e oportunizadora, que extrapole largamente o simplismo de achar e punir culpados.


Nossas escolas têm trabalhado na contramão disso tudo até agora. E é ali que a revolução precisa nascer, porque ali forjamos, no nascedouro, a vergonha, o medo, o pavor do erro. Enquanto não assumirem essa tarefa para si, com muita clareza e extremamente urgência, nada do que se faça será tão inovador, disruptivo ou transformador quanto se pretende.


Nem sempre uma grande mudança vem de fora. Às vezes, ela só precisa ser o resultado de um novo e corajoso olhar para dentro, para algo que já está tão secular e profundamente incorporado ao nosso interior que nos parecia ser, de fato, impossível de ressignificar.

 
 
 

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