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Criativos "causos" sobre criatividade e educação.

Pelos idos do século passado, anos 80, quando eu me preparava para o Vestibular, havia uma história, muito repetida entre nós, sobre redações que teriam merecido a nota máxima na prova. Eram “extremamente criativas”.


  • Os candidatos deveriam escrever um texto a partir do tema O lápis e a borracha. Um deles entregou a folha quase totalmente em branco, exceto pela última linha em que se lia: “Tudo o que o lápis escreveu a borracha apagou”. Tirou 10.

  • Os candidatos deveriam escrever um texto a partir do tema Deus. Um deles colocou a folha de respostas no chão, pisou em cima, amassou. Depois, esticou de novo e entregou assim: um papel amassado, com uma marca de calçado. Tirou 10.

  • Os candidatos deveriam escrever um texto a partir do tema Relógios. Um deles encheu a folha de “tic tac tic tac tic tac...” e finalizou com um “trrrrrriiiiiiiimmmmmmm”. Tirou 10.


Sobre essa última, lá se vão algumas considerações:


Em primeiro lugar, convém explicar para os mais jovens como as pessoas eram despertadas no século passado. Ao lado da cama, era preciso deixar um tipo de relógio, o despertador. Funcionava mecanicamente e a movimentação de suas engrenagens gerava um barulhinho constante, o “tic tac tic tac...”. No horário programado, uma campainha era acionada fazendo esse ““triiiiiimmmmmmmmmm”. O indivíduo que estava dormindo levava um susto insuportável e, se não sofresse um infarto fulminante, acordava.


Em segundo lugar, eu fui testemunha ocular e estudantil de que “Relógios” foi mesmo o tema da Redação da Fuvest 1984. Bizarro, mas foi. Para mim, inesquecível: foi esse o vestibular que me deu a sonhada vaga na universidade.


Em terceiro e último lugar: claro que essa história do "tic tac tic tac trim" já existia muito antes de o tema ter aparecido, de fato, num vestibular. Era uma história popular, que todo mundo jurava ser verdadeira, que tinha acontecido com um primo de um amigo da sua prima... Pura lenda urbana, exatamente como cada uma das outras duas.


Os tempos eram outros. Só se tinha algum espaço para ser criativo, na escola, na produção textual ou, quando se tinha muita sorte, nas aulas de artes. Nos vestibulares, a produção textual era necessária, mas, na época, ninguém tinha a mais remota ideia de como os textos seriam corrigidos. A divulgação de critérios de correção, com a clareza e a objetividade como os conhecemos hoje, só aconteceria muito depois, nos anos 90 e, ainda assim, era uma prática de pouquíssimas instituições.


Ou seja, o vazio de nossas cabeças era terreno fértil para uma boa história, que não precisava nem parecer verdadeira. Só precisava ser bem contada.


Os tempos eram mesmo outros, bem outros. Criatividade era algo abstrato, algo misterioso, marca de um certo tipo de inteligência, da genialidade, muitas vezes de indivíduos incompreendidos ou incompreensíveis. Um dom – ou uma sina? – com o qual se nascia, mas que raramente serviria para botar comida na mesa.

Hoje, na lista das 10 habilidades mais valorizadas no mercado de trabalho, atual e futuro, a criatividade não pode, de jeito algum, ficar de fora do universo escolar. E, ironicamente, é justamente ali, na escola, o lugar onde dizem que ela morre.


 
 
 

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