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Afinal, as escolas matam a criatividade dos alunos?

Justamente foi essa a pergunta que gerou o mais antigo e mais visto TED Talks sobre Educação de todos os tempos. Do Schools Kill Creativity? de 2006.


“Não crescemos na criatividade, nós crescemos fora dela. Ou melhor, somos educados fora dela.”

Sir Ken Robinson, Do Schools Kill Creativity?, Ted Talks 2006.


Em 2006, Sir Ken Robinson já apontava o medo de errar – além de muitas das características do nosso datado design educacional – como um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento da criatividade. A estigmatização do erro faz parte da cultura escolar em vários níveis, explícitos e implícitos, e colide frontalmente com o processo criativo. Afinal, para se pensar criativamente é preciso se sentir à vontade para experimentar, testar, assumir riscos, aprender com as falhas, buscar novos caminhos e ser capaz de se adaptar quando algo não acontece como se pretendia. Num ambiente intolerante ao erro, nada disso ocorre.


Naturalmente, a voz de Ken Robinson não é dissonante. Tampouco se refere a um modelo de escola já superado.


Em From Oops to Aha, lançado no ano passado, Maleka Donaldson, Professora Assistente de Educação e Estudo Infantil no Smith College, nos oferece cenas, captadas por ela dentro de salas de aula, que retratam como os professores respondem ao erro e interagem com os seus alunos. Entrevistada no Harvard Edcast, ela relata que, por mais que tenha havido um progresso nas escolas, procurando acolher o erro e integrá-lo ao processo de aprendizagem, o comportamento dos professores, sua linguagem, seu gestual, ainda denunciam a reprovação ao erro. E um detalhe importantíssimo: seu foco de observação eram salas de aula de Educação Infantil, segmento no qual a experimentação deveria ter espaço privilegiado.


Então, é fato que as escolas matam a criatividade? É um consenso que o pensamento criativo só floresce sem o medo de errar e, infelizmente, a repulsa ao erro ainda se encontra muito amalgamada à cultura escolar. Por esse aspecto, a suspeita parece se confirmar. Exceto por um detalhe. Repousa aí uma premissa: crianças seriam, então, naturalmente, criativas, uma vez que só se mata aquilo que já existe. Vale a pena olhar isso mais de perto.


Crianças são naturalmente criativas?

Há quem diga que esta é uma crença equivocada. É o caso da pesquisadora da Lego Foundation, Elisabeth McClure. Em sua participação no TED Talks, ela apresenta contrapontos importantes, contrários a essa crença.


A questão central se coloca sobre o que se entende por criatividade. Ela a define como originalidade somada à adequação. Sir Ken Robinson também definira criatividade de forma semelhante, já em sua fala de 2006. Para ele, criatividade é o processo de ter ideias originais que têm valor. Nessa mesma linha encontraremos muitas definições, variadas quanto à escolha das palavras, mas uníssonas quando adicionam à originalidade um senso de aplicabilidade: grosso modo, criatividade é quando a imaginação aterrissa.


E o que faz a imaginação, fruto de pensamento divergente, aterrissar é o chamado pensamento convergente. Ou seja, quem tem uma ideia original deve pesquisar para comprová-la. Quem imagina um novo processo precisa testá-lo e ver se ele funciona. Quem imagina um novo objeto, precisa prototipá-lo... e por aí vai.


Pensamento divergente não falta às crianças, disso ninguém duvida. Mas o que se entende por criatividade e se valoriza no mundo contemporâneo vai além disso: incorpora o pensamento convergente.


E aquela pesquisa???


Outro vídeo extremamente conhecido de Sir Ken Robinson é essa animação, criada a partir do discurso feito na ocasião em que recebeu a medalha Benjamin Franklin na Royal Society of Arts, RSA, em Londres: Changing Education Paradigms. Esse vídeo menciona e, com isso, dá grande visibilidade a uma certa pesquisa, iniciada nos anos 60 e conduzida por George Land e Beth Jarmen.


Um teste se dispunha a avaliar a habilidade de se proporem ideias novas, diferentes, inovadoras para um problema. 1.600 crianças de 5 anos foram testadas. E novamente submetidas a esse teste aos 10 e, mais uma vez, aos 15 anos.


Os resultados são impactantes: aos 5 anos de idade 98% delas seriam categorizadas como “gênios criativos”, segundo o teste. Aos 10 anos, apenas 30% dessas crianças teriam se mantido na mesma categoria e aos 15, apenas 12% dessas crianças. Quando esse teste é aplicado em adultos, a porcentagem daqueles que seriam considerados geniais, segundo Land, é de apenas 2%.


Ainda que o próprio George Land se refira a esse instrumento como um “teste de criatividade”, Sir Ken Robinson é cuidadoso ao ressalvar: trata-se de uma verificação de pensamento divergente, o que “não é sinônimo de criatividade, mas uma essencial capacidade para a criatividade”.


Aparentemente, portanto, o passar dos anos, que coincide com a escolarização, reprime o pensamento divergente. E não podemos deixar de considerar que, com o passar dos anos, também ocorrem outras transformações na forma como nossos cérebros operam, à medida que se desenvolvem. É o caso das chamadas podas sinápticas, citadas por Elisabeth McClure. Simplificando ao extremo: crianças desenvolvem, nos primeiros anos de vida, mais de 1.000.000 de novas conexões neurais por segundo. À medida que deixam de usá-las, essas conexões se perdem.


Simplificando ainda mais: se não estimulado, aquele pensamento divergente natural nas crianças (assim como outras potencialidades cognitivas que se constroem nos primeiros anos de vida) tende a deixar de manifestar. Mas, recapitulando: pensamento divergente não é criatividade. É parte dela, apenas.


E, ainda, é preciso ainda considerar que, embora a maioria esmagadora dos estudos que dizem mensurar a criatividade, na verdade, somente meça pensamento divergente, a efetividade dessa correlação tem sido bastante questionada.


Mais um “causo” criativo?

Há quem duvide da existência real da pesquisa de George Land e Beth Jarmen. Elisabeth McClure é uma dessas pessoas. Fato é que não se acha nenhum registro dela e, segundo a pesquisadora da Lego Foundation, nem a NASA, nem a Head Start – instituições com as quais George Land diz ter trabalhado no famoso estudo – ouviram falar dele ou possuem qualquer registro de seu trabalho. Talvez, assim como as redações dos anos 80, esse trabalho em particular seja mais uma lenda urbana que, de tão bem contada, até gostaríamos que fosse verdade.


Se o século passado deixava margem para que tratássemos a criatividade à luz de criativos “causos”, o século XXI não deixa. Se, no passado, criatividade não punha comida na mesa, no presente, virou condição para que se possa continuar pondo. Considerada uma das habilidades mais valiosas a serem desenvolvidas até 2025 pelo relatório do Fórum Econômico Mundial, Future of Jobs, demanda dos atuais adultos a busca urgente por ela, através de requalificação.


Já os futuros adultos ficam na expectativa de que consigamos educá-los de forma mais adequada, desenvolvendo o pensamento convergente sem aniquilar nem deixar de nutrir o pensamento divergente, explorando o erro como parte do processo de aprendizagem e compreendendo – de uma vez por todas – que a criatividade não é um talento inato concedido a alguns e não a outros. É uma habilidade que se pode aprimorar e desenvolver constantemente. E que a escola pode e deve, sim, se transformar num excelente lugar para que isso ocorra.



 
 
 

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